Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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O novo artigo 340º do CPP

Quando a reforma foi anunciada a crítica surgiu. Mas o Governo insistiu e a ideia passou na Assembleia da República, a alteração do artigo 340º do CPP.
Na sua versão originária este preceito era uma válvula de escape em prol da verdade, através da atribuição ao juiz de poderes oficiosos de investigação. Agora ficou reduzida a um alçapão.
De acordo com a nova redacção, saída da 20ª alteração ao Código de Processo Penal [Lei n.º 20/2013, de 21.02],os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que «as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa».
Na aparência trata-se de um preceito moralizador, visando pôr termo ao abuso das provas requeridas fora do tempo próprio, trazendo para o processo a surpresa e, desta forma, a desigualdade de armas. Nessa dimensão nada a dizer.
Só que há uma outra.
A novidade parte do pressuposto de que em todos os processos existe uma adequada defesa técnica. Ora isso nem sempre sucede, muitas vezes a defesa nomeadamente é assegurada por quem não tem preparação suficiente para a função. Assim, a correcta contestação, a congruente elaboração dos requerimentos de prova deixam por vezes muito a desejar e é no momento da audiência que surge, inevitável, a impor-se como absolutamente indispensável, a necessidade de produzir prova que não foi até então considerada. E aí o poder corrector do juiz impõe-se para que a causa seja bem decidida e a verdade se alcance.
Em casos como este o artigo 340º era uma norma garantística, que beneficiava sobretudo o pior assistido, quantas vezes o de mais fracos recursos económicos para poder beneficiar de defesa não oficiosa.
Pode dizer-se que a parte final do preceito agora alterado é garantia suficiente de que os poderes judiciais oficiosos subsistem para a prossecução daqueles valores da descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Em parte assim pareceria ser se esse segmento da norma não estivesse redigido como excepção. Desta forma, na sua formulação, a regra passa a ser o convite ao indeferimento à prova que teve já o seu tempo processual para ser indicada, na acusação e ma contestação. E imagina-se certas mentalidades avessas a delongas judicativas a encontrarem aqui arrimo fácil para a rejeição da prova porque intempestiva. 
Além disso, o legislador, ao ter reportado àqueles dois momentos processuais os tempos inexoráveis de indicação das provas - com preclusão da sua menção em momento posterior - parece ter esquecido que se manteve a possibilidade de alteração do rol de testemunhas, por força do artigo 316º do Código nesta parte não modificado.
E assim, o que o artigo 340º agora diz é uma incongruência: as provas não são admitidas se poderiam ter sido indicadas na acusação e na contestação com a possibilidade de serem indicadas, porém, em momento posterior àqueles dois momentos, o que o artigo 316º clausula e aquele artigo não ressalva.
É o que sucede quando se emitem leis avulsas sobre Códigos que têm a sua lógica. Altera-se um preceito esquecendo-se os outros que são o que conferem a plenitude e a suposta harmonia do ordenamento jurídico.


Reforma do CPP (2): artigo 194º

Estou totalmente de acordo com a alteração ao Código de Processo Penal segundo a qual o juiz pode aplicar medida de coacção diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, «medida ou modalidade de execução» do que aquela outra proposta pelo Ministério Público quando se tratar de avaliar perigos superiores aos da pura perturbação do inquérito.
Primeiro, em nome do princípio, para mim basilar, do primado do judicial em matérias jurisdicional. A medida de coação é, pela sua natureza, um acto intrínseca e materialmente jurisdicional, porque pressupõe o ditar o Direito sobre uma controvérsia entre a liberdade e a segurança, entre os direitos do arguido e os poderes do Ministério Público. Só um juiz a pode decidir na totalidade do espectro do que há para decidir, sem limitações.
Segundo, e em relação directa com o que acabo de dizer, em nome da regra, para mim fundamental, da independência do poder judicial, que não pode ser o mero chancelar da legalidade de substâncias definidas pelo Ministério Público. Quando ouvi em tempos da boca de um juiz, referindo-se ao Ministério Público e precisamente em matéria de prisão preventiva, o «eles é que sabem se querem investigar com eles presos ou livres, a mim só me cabe controlar a legalidade e já me chega», confesso que a repugnância intelectual daquele «só» me feriu a sensibilidade, como se de auto-mutilação se tratasse, ademais vinda da boca de quem deveria assumir a postura de titular de um órgão de soberania e não de um simples oficial de chancelaria, de serviço à apostilha da legalidade formal.
E não se diga que em nome do princípio da vinculação temática o Ministério Público, porque delimita o objecto do processo com a sua acusação impede o juiz de condenar fora daquele quadro factual e jurídico que o titular da acusação pública desenhou e é do mesmo que se trata aqui, em minoria de razão. É que a dita vinculação temática - pelo qual a partir daquela acusação os poderes de conhecimento e de decisão e os limites do caso julgado judicial são os atinentes àquele objecto proposto ao tribunal - não limita o poder jurisdicional final, porque, se ao limite, o tribunal entender que a realidade é outra que conduza a crime diverso - ou seja, a haver alteração substancial - fica livre de ordenar a remessa do caso para inquérito para que esse mais seja conhecido pela Justiça. É a liberdade constitucional de não se sujeitar ao menos que não aceita que dá ao tribunal o poder constitucional de forçar o conhecimento do mais que lhe foi submetido para julgar. Ante isso, fará o Ministério Público o que entender, inclusivamente arquivar esse plus ultra, mas assumirá a responsabilidade pelos seus actos e pelas suas omissões [a seu tempo me referirei ao que esteja a acontecer em matéria de interpretação e consequente aplicação do n.º 2 do artigo 359º do CPP].
Terceiro, porque, ante a tendência que vejo desenhar-se em certas hostes do Ministério Público de entrarem no jogo da Justiça negociada, que haja juízes em Berlim que possam pôr ordem onde se exige Lei e não conveniência, autoridade e não combina. Ora só o sistema proposto evita que a medida coactiva corra o risco de recair sob a suspeita de que é uma forma de transaccionar interesses ao invés de cumprir a Lei.
Pode dizer-se que não se atribuiu a juiz a totalidade do poder pois este fica limitado à medida coactiva proposta pelo Ministério Público quando o argumento para a sua aplicação for a perturbação do inquérito e não o perigo de fuga ou fuga efectiva ou o receio de continuação ou de alteração da tranquilidade pública. Mas penso que esse pecúlio de reserva tem uma razão racional compatível com o núcleo essencial das atribuições do Ministério Público: aí e só aí está ele em condições únicas para propor a justa e adequada medida para proteger a prova do inquérito que conduz.
Enfim, prevê-se [para o n.º 8 desse preceito] que «o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição do recurso».
É de aplaudir também, pois que assim se garante um controlo eficaz do decidido, uma possibilidade efectiva de recurso e uma decisão em segunda instância com conhecimento de causa. 
Mas para se tratar de medida totalmente eficaz seria necessário ocorrerem duas circunstâncias, que não vejo previstas na proposta. Primeiro, que o requerimento de medida de coacção - nomeadamente quanto ablativa da liberdade - fosse articulado e fundamentado com elementos de prova dos autos que indiciassem os pressupostos gerais e específicos da medida proposta para que pudesse haver real controlo do pedido. Segundo, que tudo isso fosse feito constar de um apenso próprio, que seria o que subiria em recurso, permitindo salvaguardar os demais elementos dos autos que o Ministério pretendesse manter sob segredo de justiça, a vigorar. Em suma: a medida coactiva teria sido proposta, contraditada e decidida com base naquilo e seria sobre aquilo que o tribunal de recurso decidiria, acabando com o deprimente «como consta abundantemente dos autos», cabendo ao arguido adivinhar onde estaria essa cornucópia de abundância.
Propus isso mesmo num modestíssimo estudo com o qual contribui para o livro de homenagem ao Doutor Figueiredo Dias. Digo-o não por falsa modéstia mas porque tenho consciência de que poderia ter feito melhor, assim a minha vida intelectual não fosse devorada pela hidra voraz dos deveres da profissão de que faço ganha-pão.

P. S. Em pormenor, olhando para a nova redacção que o Ministério da Justiça propõe para o artigo 194º há redundância pois o previsto para o n.º 3 já resultava a contrario do n.º 2.

Reforma do CPP (1): o artigo 340º

Primeiro foi a lógica do consenso como bandeira da celeridade a querer impor-se ao poder judicial, fazendo os acordos entre o Ministério Público e os Advogados a determinaram a pena, assim negociada, quisesse o juiz ou não, tudo com o aplauso de certos magistrados porque assim tudo andaria mais depressa e eles teriam menos serviço. A ideia, até mais ver, ficou no limbo das fantasias mortas, tal como a alma dos recém-nascidos.
Agora é uma nova frente ao poder judicial. Desta vez em papel timbrado do Ministério da Justiça.
Comecei a ler as sugeridas alterações ao Código de Processo Penal. E dei logo com esta [e outras que a seu tempo virão aqui em comentário critico] relativa ao artigo 340º, o preceito que permite, oficiosamente ou a requerimento, a produção de meios de prova indispensáveis para a descoberta da verdade de que houvesse entretanto notícia ou que se revelassem, entretanto, relevantes.
Envergando o paramentação branca da inocência, a nova fórmula para o preceito [alínea a) do n.º 4]  surge assim desenhada na proposta do Governo: «os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que a) As provas requeridas já deviam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação».
Perdoem a crueza mas tudo isto é um erro.
Primeiro, porque não há coisa menos notória em Direito do que o ser notório. Como se o processo penal, processo de garantia e segurança que deve ser, pudesse compaginar-se com conceitos abertos indeterminados, vagos como este, ei-lo a abrir a porta ao discricionário, ao livre alvedrio de quem decidir e depois, claro, a arguições de nulidades e a recursos [ficando, como é costume, as vítimas destes pesadelos interpretativos causados pelo político legislador à mercê de estarem a abusar de excesso de garantismo e a entorpecer a acção da Justiça...].
Segundo, porque não pode falar-se em ternos de prova em um «dever» nem sequer, para sermos rigorosos, num «ónus», ou então as categoriais jurídicas essenciais já não valem nada e as nomeclaturas, tal como as expressões da Literatura, passam a ter valor meramente sugestivo. Não há portanto para o Ministério Público, assistentes ou arguidos provas que devam ser apresentadas neste ou naquele outro momento processual, sim que podem ser oferecidas em certos tempos processuais, com a especificidade para o titular da acusação pública que de seguida se referirá.
É que, terceiro, porque a haver uma lógica de preclusão, ela não pode equiparar o Ministério Público ao arguido, pois aquele esgota-se no acto acusatório, delimitando o objecto processual e apoiando a sua valia indiciária em provas suficientes, que podem ser sindicadas pelo juiz em instrução, quando requerida, ou pelo juiz de julgamento, inexistindo prévia instrução, no despacho em que receber a acusação. O arguido oferece na contestação a prova que entender sem que tal peça processual lhe possa ser rejeitada por não conter prova suficiente. Donde a equiparação é incorrecta, porque não se trata de irmãos nem gémeos nem siameses. Não se trate igual o que é diferente.
Quarto, porque a lógica do artigo 340º, tal como estava delineado, era dar acolhimento à superveniência subjectiva em matéria probatória, isto é permitir a produção daquela prova de que houvesse entretanto conhecimento ou que, conhecida já que fosse, assumisse agora relevo para o esclarecimento da verdade, a válvula de escape, em suma, para que, em nome da Justiça, se esgotasse toda e qualquer prova que permitisse a descoberta da verdade. E, num aparte, acabe-se de vez com a noção [outra] vaga e perturbadora da verdade «material» [por contraponto à verdade «formal» do processo civil] porque o conceito de verdade para a Justiça deve ser sério demais para que admita variantes ou gradações.
Fruto do que se pretende ser um dever probatório, que impenderia por igual sobre o Ministério Público e o arguido [e assistente], ficarão todos ficam impedidos de apresentar provas que notoriamente poderiam ter indicado antes. Eis o que se sugere.
Que restará ao juiz? O poder de oficiosamente determinar o que não pode ocorrer a requerimento? Mas não se pensou que esta exposição do juiz à isolada oficiosidade o compromete no núcleo essencial da sua independência, por estar a comandar a produção de provas que podem fazer pressentir já um juízo formado sobre o objecto das mesmas? Não era mais equilibrado um sistema em que a oficiosidade era subsidiária ou paralela ao poder de requerimento por parte dos demais «sujeitos processuais»?
Que se imporá ao juiz, assim a proposta dê em lei? Que seja o juiz do que é «notório». Não se pensou que esta exposição do mesmo à integração de um conceito tão vago, o compromete no núcleo essencial da sua imparcialidade, porque chamado a decidir algo tão relevante como a prova final em julgamento, em nome de uma ideia cujos contornos escapam entre os dedos, o ser notório, substituindo-se ele à estratégia probatória da acusação e da defesa, para decidir que a prova devia ter sido indicada antes?
O admirável mundo novo privatístico vai entrando no processo penal. É a ideologia do capital, a técnica da celeridade na linha de montagem do processo penal, tal como na fábrica do senhor Henry Ford, produtor americano de automóveis. A taylorização. A funcionalização.

Alterações às leis penais

Estão aqui os pareceres do Conselho Superior do Ministério Público sobre as alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, os pareceres do Gabinete do Procurador-Geral da República sobre este último projecto, as notas do PGD de Coimbra sobre o Parecer do Conselho Superior, e os contributos dos Magistrados do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça. Está aqui o parecer do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sobre a alteração ao Código de Processo Penal, aqui o parecer sobre a alteração ao Código Penal e aqui sobre o regime jurídico da execução de penas e medidas privativas da liberdade.
Tudo a mostrar que só no âmbito do Ministério Público reina tudo menos menos convergência de critérios.
Os pareceres da Ordem dos Advogados estão aqui.
Os pareceres da Associação Sindical dos Juízes Portugueses estão aqui.
Trouxe comigo estes documentos para os estudar e tentar pensar sobre eles. Logo que possível, entendendo-me primeiro com as propostas e depois com os comentários.

A Brave New World

Até aqui a discussão sobre o processo penal era o problema do Estado e dentro dele a questão corporativa e assim o tema do poder: quem manda? A matéria desdobrava-se numa miríade de assuntos mas todos em torno do mesmo: a quem compete o poder de dirigir o inquérito, aos procuradores ou a juízes? pode o Ministério Público decretar nulidades ou tal é pecúlio privativo do poder judicial? Deve a instrução ser um acto de cassação sobre a decisão da acusar ou arquivar ou um acto de sobreposição jurisdicional determinando o caso julgado do definitivo arquivamento pela não pronúncia e a forçosa submissão a julgamento mesmo que em termos discrepantes com o acusado? Deveria, em matéria de medidas de coacção, o juiz ir para além do requerido pelo Ministério Público? Fazia sentido a "correcionalização" do processo penal pelo qual se singularizava, sem que o poder judicial se pudesse a tal opor, em detrimento da competência natural do colectivo, assim o Ministério Público o quisesse?
A degradação da vítima, a diabolização da defesa faziam parte da retórica pela qual o Estado se impunha à sociedade civil.
Hoje, olhando para o panorama que começa a ganhar corpo, esse mundo acabou.
Talvez porque o Estado tenha deixado de querer ser muito Estado e tenha perdido legitimidade moral para se assumir como Estado, talvez porque os do Estado o foram cedendo à sociedade comercial, "outsourcizando-o" interesseiramente; talvez porque os jovens que hoje determinam a agenda pública cheguem às escadarias do mando e do pensamento que mandará seduzidos pelo neoliberalismo político, filho espúrio do serôdio capitalismo em que vivemos. Assim como os seus pais foram o fruto do marxismo ideológico, do qual emergiu a centelha da cultura judiciária que ainda impera.
Virou a página. Hegel morreu, envenenado por Marx.
Olhando para o que começa a emergir, o modelo é o americano. Fez a sua entrada pela porta da criminologia radical. A escola sociológica abriu as portas a que toda uma literatura tida por científica fizesse a sua aparição na cultura jurídica portuguesa e através dela a civilidade do quantitativo como critério de validação pragmática da verdade eficaz. O que fora a sedução pela germanofilia que centrara arraiais durante a Guerra no pensamento coimbrão, com a exportação da pesada sistemática alemã e sua dogmática imperial, tida como a única inteligente e universalmente pertinente, enquanto abstracção conveniente à legitimação dos voluntaristas diktats necessários e seus contrários, está a finar-se.
Ontem passei pela "Arco Íris" que há anos que já é Coimbra Editora. Ali estava Paulo Dá Mesquita e um grosso tomo sobre o direito probatório...segundo o modelo americano. Já o tinha visto anunciado aqui. A Brave New World.

A ASJP e o CPP: apresentação de livro

O vídeo que regista a apresentação, a 24 de Janeiro, na Biblioteca da Assembleia da República, do livro da Associação Sindical dos Juízes Portugueses com as propostas para a revisão do Código de Processo Penal, pode ser visto aqui
A matéria é da exclusiva competência do Parlamento, só podendo o Governo legislar após autorização legislativa. Ali foi discutida, até ao ínfimo pormenor, a proposta que daria a Lei n.º 78/87, a qual deu ao Governo poderes para aprovar o Código de Processo Penal que o Parlamento conheceu então como se fosse seu.

ASJP e a revisão do CPP

É hoje apresentado em livro o documento que consubstancia as linhas gerais da proposta da Associação Sindical dos Juízes Portugueses quanto à reforma do sistema processual penal. Ei-las, segundo o sumário que introduz o relatório. Teremos oportunidade de as comentar especificadamente. Agora apenas o resumo.

Inquérito

Avocação obrigatória do processo pelo superior hierárquico do magistrado do MP no termo do prazo máximo fixado na lei, precedida, se necessário, da concessão pelo superior hierárquico de prazo até 30 dias para que o titular inicial proferir despacho de encerramento do inquérito;
O superior hierárquico que avocou o inquérito deverá concluí-lo em novo prazo que não ultrapasse um terço do legalmente estabelecido ou requerer ao juiz de instrução nova prorrogação, por uma só vez, invocando e demonstrando a impossibilidade de o terminar e indicando o prazo necessário para o efeito, que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado;
O juiz de instrução depois de ouvir o arguido avaliará os fundamentos para a prorrogação do prazo, podendo conceder novo prazo pelo tempo objetivamente indispensável à conclusão da investigação mas que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado; não sendo concedida a prorrogação o MP disporá ainda de 30 dias para encerrar o inquérito;
A violação dos prazos referidos deverá ser causa de rejeição da eventual acusação que venha ainda assim a ser proferida;
O prazo do inquérito deve suspender-se, para além dos casos já previstos na lei, quando seja expedida carta rogatória e ordenada a realização de perícias ou outras diligências requeridas pela defesa, enquanto estiver pendente outro processo com relevância para o sucesso da investigação e enquanto o estiverem a decorrer diligências para a aplicação de pena por consenso;
O período total de suspensão não deverá em qualquer dos casos exceder metade do prazo que corresponder ao inquérito, acrescido de 3 meses em caso de pluralidade de causas de suspensão.

Pena consensual

A alteração que se propõe para a aplicação de pena consensual parte do modelo atual do processo sumaríssimo e assenta nos seguintes vetores fundamentais:
Com vista ao encerramento do inquérito, será obrigatória a audição pelo MP do arguido acompanhado de defensor, em diligência especialmente destinada a ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo ou de pena consensual, de acordo com os respetivos pressupostos;
O MP, sob pena de nulidade, fundamentará, de modo conciso mas com base em factos determinados, a razão pela qual não promove a aplicação da suspensão provisória do processo ou da aplicação de pena consensual;
A aplicação de pena consensual será admissível sempre que o MP, face aos indícios recolhidos no inquérito e à respetiva qualificação jurídica, entenda dever ser aplicada no caso concreto pena que, depois de reduzida em um terço, não seja superior a 5 anos de prisão;
A pena ou medida de segurança proposta pelo MP e aceite pelo arguido será sujeita a homologação pelo juiz, que no caso de concordar condena na sanção penal respetiva;
O juiz rejeitará o requerimento quando este for manifestamente infundado, não existirem indícios suficientes da prática do crime, estiver indiciada a prática de crime mais grave ou entender que a sanção proposta é insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
Se o arguido não aceitar a sanção proposta pelo MP o processo será remetido para julgamento mas a pena aplicável não poderá ser mais gravosa na sua espécie e medida, exceto se em audiência se apurarem circunstâncias que traduzam uma maior gravidade do facto ou da culpa que não tenham sido consideradas;
Se o processo seguir para julgamento fica impedido de nele participar o juiz que tiver rejeitado a homologação do requerimento do MP ou que tiver participado na determinação da sanção não aceite pelo arguido.

Instrução

A alteração preconizada vai no sentido de reduzir a instrução facultativamente requerida pelo arguido à discussão da decisão de acusar, em diligência oral e contraditória, correspondente, nessa parte, ao atual debate instrutório, sem que haja lugar a produção de prova. A instrução requerida pelo arguido visará, pois, a discussão da acusação de forma contraditória perante o órgão independente, tribunal, de modo a que a sua sujeição a julgamento não dependa apenas e decisão do órgão comprometido com a acusação. E terá, assim, como objeto a apreciação de indícios resultantes da prova recolhida no inquérito, bem como a apreciação de nulidades e questões prévias ou incidentais que possam conduzir à não pronúncia, incluindo as proibições de prova

Sentença abreviada

Deve pois ser consagrada a permissão de em determinadas circunstâncias ser possível proferir uma sentença apenas com indicação dos factos provados e da parte dispositiva, relegando-se para ulterior momento, se necessário em função do recurso, a fundamentação exaustiva da motivação probatória da decisão.

Declarações anteriores

Defende-se, portanto, a possibilidade de valoração em audiência das declarações do arguido anteriormente prestadas, mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente, caso se verifiquem cumulativamente os seguinte requisitos:
Tiverem sido prestadas perante juiz, na presença do seu defensor;
O arguido tiver sido advertido de que as suas declarações podem ser usadas em audiência de julgamento mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente;
As declarações tiverem sido gravadas em áudio e vídeo, pelo menos em regra;
O arguido tiver sido informado por escrito, aquando da prestação de T.I.R., do efeito legalmente reconhecido às suas declarações no caso de a audiência ter lugar na sua ausência.

Recursos

O recurso para o tribunal constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, não deve ter efeito suspensivo sobre a decisão recorrida quando esta tiver sido proferida por tribunal superior na sequência de decisão ou decisões anteriores igualmente condenatórias;
Deve tornar-se obrigatório o conhecimento e a reparação pelo tribunal recorrido dos vícios geradores de nulidade (ou efeito equivalente) total ou parcial da decisão final, evitando assim que o recurso suba ao tribunal superior, nomeadamente quando se trata de vício manifesto;
Deve tornar-se também obrigatório que o tribunal de recurso conheça e decidida todas as questões suscitadas, mesmo que haja anulação da sentença, restringindo-se o leque argumentativo dum futuro novo recuso e rentabilizando-se de forma mais coerente o trabalho do tribunal de recurso, evitando-se nova distribuição do processo e que outros juízes tenham que conhecê-lo e preparar a nova decisão.

Proibições de prova

O quadro actual impõe uma clarificação legislativa das proibições de prova em aspetos como a sua autonomização face às nulidades, a maior ou menor amplitude dos seus efeitos e respetiva base legal, as dificuldades de caracterização como proibição de prova ou nulidade de muitas das invalidades previstas.

Defesa oficiosa

Propõe-se, portanto, uma revisão que incorpora as vantagens do sistema de defesa pública mas não põe em causa a liberdade e independência que caracterizam a advocacia, obedecendo aos seguintes princípios:
A defesa deve ser assegurada por advogados independentes e não por juristas funcionários do Estado; 
Os defensores devem ser recrutados por concurso e ter maior qualificação técnica e mais disponibilidade, com um sistema de vinculação temporária ao Estado por contrato;
É necessário garantir o respeito pelo direito constitucional à escolha do defensor;
- A gestão do sistema deve ser assegurada por entidade pública autónoma do Estado e não pela Ordem dos Advogados, assente exclusivamente em critérios de interesse público;
Têm de ser criados mecanismos de remuneração adequada e digna e financeiramente comportáveis, plenamente transparentes e fiscalizados.