Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Fundamentação da não pronúncia: irregularidade?

 


A necessidade de fundamentação do despacho de não pronúncia e projecção dessa exigência a nível da garantia do caso julgado, eis o que foi configurado pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 13.09.2021 [proferido no processo n.º 196/20.5GBBCL.G1, relatora Fátima Furtado, texto integral aqui], o qual, divergindo do que tem sido entendido por outras decisões, nele aliás citadas, consigna que se trata de mera irregularidade e não de nulidade.

Pelo seu interesse, eis o excerto relevante do decidido:

«O despacho de não pronúncia, enquanto ato decisório do juiz, tem necessariamente de ser fundamentado, o que significa que nele devem ser especificados os motivos de facto e de direito da respetiva decisão (3), de forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.
Aliás, no que respeita à decisão instrutória de não pronúncia que conheça do mérito, o cumprimento dessa exigência, nomeadamente no que respeita à indicação dos factos indiciados e não indiciados, é também essencial para a fixação dos efeitos do caso julgado.
Sendo que se pode dizer que a decisão instrutória de não pronúncia decidiu sobre o mérito da causa, sempre que não indiciados os factos da acusação (ou do requerimento de abertura da instrução, conforme os casos), ou apesar de indiciados todos ou alguns deles, os factos descritos, se conclua que eles não constituem crime ou que o arguido não pode ser responsabilizado criminalmente pelos mesmos.
Nestas situações, uma vez transitado o despacho de não pronúncia, o processo onde foi proferido só pode ser reaberto através do recurso de revisão, nos termos prevenidos nos artigos 449.º, n.º2, e 450.º, nº.1, al. b), do Código de Processo Penal (4) e, se for instaurado um outro processo pelos mesmos factos, o arguido poderá arguir, com sucesso, a exceção do caso julgado.
Já assim não acontecerá, quando a não pronúncia do arguido e o consequente arquivamento do processo se fica a dever à não indiciação dos factos essenciais para a integração dos elementos constitutivos do crime imputado ao arguido, no requerimento de abertura da instrução.
É que, neste último caso, porque se trata de insuficiência de prova indiciária, caso surjam novos elementos de prova, o processo pode ser reaberto, assim como pode, também, ser instaurado um novo processo, enquanto não ocorrer a prescrição.
Consequentemente – e como se escreveu no acórdão do TRG, de 27.09.2004, proferido no proc. n.º1008/04.2, relatado pelo Desembargador Heitor Gonçalves (5) – «a reabertura do processo arquivado pelo despacho de não pronúncia depende indubitavelmente dos respectivos pressupostos factuais. É por essa razão que o Sr. Juiz de Instrução, ao proferir despacho de não pronúncia pela não verificação dos pressupostos materiais da punibilidade do arguido, deve descrever e especificar quais os factos que considera indiciados e os que considera não indiciados, indicando os respectivos fundamentos ou motivação, pois só dessa a forma se podem definir os verdadeiros efeitos do caso julgado e se garantem cabalmente os direitos de defesa».
Ora, no caso sub judice, já vimos que o despacho de não pronúncia recorrido, apesar de conhecer de mérito, decidindo que a arguida não pode ser responsabilizada pelos factos que lhe são imputados, não enumera os factos alegados no requerimento de abertura da instrução que considera suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados, limitando-se a tecer considerações sobre a prova produzida.
Como consequência de tal omissão, parte significativa da doutrina e jurisprudência pronuncia-se pela nulidade, embora entendendo alguns ser uma nulidade insanável e de conhecimento oficioso e, outros, sanável e dependente de arguição. (6)
Não perfilhamos de tal posição, antes seguindo aqueles que vêem na omissão da descrição factual do despacho de não pronúncia que conhece de mérito uma irregularidade. (7)
Em matéria de invalidades, o nosso sistema processual penal consagra o princípio da legalidade das nulidades, plasmado no nº 1 do artigo 118º, do Código de Processo Penal, segundo o qual, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. Sendo o ato irregular nos casos em que a lei não determinar expressamente a nulidade (8).
Ora, o certo é que não há norma que determine a nulidade como consequência da omissão ou deficiência da fundamentação das decisões jurisdicionais em geral, nem, tão pouco, qualquer norma específica que comine com a nulidade a omissão ou deficiência de fundamentação da decisão instrutória de não pronúncia.
Contrariamente, aliás, com o que acontece com as sentenças e decisões instrutórias de pronúncia, nas quais se impõe a enunciação dos factos provados/indiciados e não provados/indiciados, sob pena de nulidade. (9)
Afigura-se-nos, assim, que a omissão da descrição dos factos indiciados e/ou não indiciados na decisão instrutória de não pronúncia que conhece de mérito, configura apenas uma irregularidade.
Só que essa irregularidade influi na decisão da causa, na medida em que só depois da enumeração dos factos indiciados e/ou não indiciados se podia decidir se os primeiros são ou não suficientes para a sujeição da arguida a julgamento, pelo crime imputado no requerimento instrutório.
Sendo que a omissão da descrição fática na decisão instrutória de não pronúncia, consubstancia um hiato parcial da respetiva decisão jurisdicional, que afeta o seu valor e impede que o tribunal ad quem sobre ela se pronuncie.
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3. Cfr. artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
4. Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 198 e 199.
5. Disponível em www.dgsi/jtrg.pt
6. Cfr. entre outros, a título exemplificativo, os acórdãos, ambos do TRP, de 17.02.2010, proferido no proc. nº 58/07.1TAVNH.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo e de 21.01.2015, proferido no processo nº 9304/13.1TDPRT.P1, relatado pela Desembargadora Lígia Figueiredo, disponíveis em www.dgsi/jtrp.pt.
7. Cfr., entre outros, a título exemplificativo, o acórdão deste TRG, datado de 09.07.2009, proferido no proc. nº 504/07.4GBVVD-A.G1, relatado pelo Desembargador Cruz Bucho e o acórdão do TRP, de 10.12.2014, proferido no proc. nº 281/12.7TAVLG.P1, relatado pela Desembargadora Luísa Arantes, disponíveis em www.dgsi/jtrp.pt.
8. Cfr. n.º 2 do artigo 118.º do Código de Processo Penal.
9. Cfr. artigos 379.º, nº 1, al. a) e 283.º, n.º 3, ex vi do artigo 308.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.
»

Revista Portuguesa de Ciência Criminal: 29º/2

Continua em ritmo de publicação atempada a Revista Portuguesa de Ciência Criminal, dirigida por Jorge de Figueiredo Dias, de que publicou agora o tomo segundo deste seu 29º ano de existência.

Em matéria de artigos, retira-se do sumário:

-» Maria João Antunes e Susana Aires de Sousa, intitulado Da relevância da identificação do bem jurídico protegido no crime de pornografia de menores;

-» Eliana Gersão, denominado Os jovens e o sistema criminal;

-» Francisco Aguilar, A suspensão provisória do processo como troca das penas do processo por uma confissão informal de culpa (ou do incitamento ou auxílio processuais aos suicídio moral);

-» Rafaela Vaz Vilela, Teresa Braga, Olga Cunha e Rui Abrunhosa Gonçalves,  Avaliação psicológica forense do abuso sexual e sua valoração nas decisões judiciais.

Quanto a jurisprudência crítica, publicam-se os comentários:

-» Miguel João Costa, Os limites à extradição para fora da União Europeia: Petruhhin e Schothöfer & Steiner;

-» Susana Aires de Sousa, Prova indirecta e fundamentação da decisão;

Com a secção Vária, o número termina com um o comentário de Karla Tayumi Ishiy ao relatório de 2018 sobre a população reclusa em Portugal.

Fundamentação e decisão própria

Para que fique claro que pensou e não copiou, para que se evidencie pela letra que o espírito é o de uma pessoa independente da outra, quem decidiu sobre o que se promoveu «o juiz não pode usar apenas as acusações do Ministério Público como fundamento de sua decisão judicial. Ao fundamentar sua decisão no julgamento de uma acção penal, é sua obrigação expor fundamentação própria e transcrever ainda o trecho da peça processual usada como referência para a decisão.» Ver tudo aqui.
O entendimento vem do Brasil. Lá como cá necessário. A jurisdição é uma autonomia total da vontade, não o efeito de uma sugestão. Não pensa o pensado, pensa como tem de pensar. Não carimba, proclama. Não é um serviço de funcionários, é o Autoridade em acção. Não é o curador, sim o pretor.

Fundamentação da decisão instrutória

É interminável a batalha pela fundamentação, das sentenças, dos despachos, a luta pela compreensibilidade, pela garantia da sindicabilidade, afinal pelos direitos dos intervenientes processuais. Daí que se registe o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012 [relator Eduardo Nascimento, texto integral aqui] quando sentenciou que: «A possibilidade prevista no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Penal de fundamentação da decisão instrutória por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução refere-se somente à dispensa da narração/descrição dos factos e da respectiva qualificação jurídica, não desobrigando o juiz de instrução de explicitar os motivos pelos quais, nomeadamente, não viu nos factos e nos elementos probatórios indicados pelo arguido virtualidade suficiente para infirmar a tese da acusação.» Reclamações:

Fundamentação e imprecisão

A propósito da fundamentação das sentenças, determinou a Relação de Coimbra no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relator Alberto Mira, texto integral aqui] que «fórmulas genéricas e imprecisas, tais como "não se provaram os restantes factos", são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais».
 
P. S. O quadro chama-se "Vacuidade".

RPCC-2

O número 2 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal abriu com uma pesarosa notícia, a da morte do Doutor Eduardo Correia. 
No sector doutrina a publicação arquiva (i) um estudo de Manuel Lopes Rocha, sobre Bioética e nascimento, apelando, com fundamento no ponto da situação à data nomeadamente no Direito estrangeiro, à prudência legislativa portuguesa na área (ii) outro de Álvaro Laborinho Lúcio, referente à Subjectividade e motivação no novo processo penal português [problema ainda hoje candente, sobretudo enquanto garantia constitucional de sindicabilidade ] (iii) e finalmente um terceiro de Manuel Marques Ferreira respeitante ao tema [também labiríntico ainda em aberto apesar da alteração legislativa à norma que a prevê e precisamente por causa dela] Da alteração dos factos objecto do processo penal.
Na jurisprudência crítica a análise incide sobre dois arestos (i) um Acórdão do STJ de 21.03.90, sobre a determinação concreta da medida da pena [relator Manso-Preto], anotado elogiosamente por Anabela Miranda Rodrigues e (ii) outro do mesmo Tribunal, de 25.06.86 [relator Silvino Villa-Nova], sobre a questão do concurso de circunstâncias qualificativas do furto, comentado por Fernanda Palma.
Mário Araújo Torres prosseguiu o inventário da legislação entretanto publicada. No campo das notícias José Augusto Garcia Marques informa de modo resumido mas sistematizado sobre o estado de alguns sectores da cooperação judiciária em matéria penal no âmbito das comunidades europeias.

O racionalmente justificável

Quando comecei a minha vida profissional havia o hábito - de duvidoso gosto e equívoco propósito - de as leiloeiras espalharem pelas secretarias judiciais e até pelos gabinetes dos juízes calendários e outros "regalos" que tinham o condão de imaginar uma justiça em dia e sobretudo lembrar o nome da empresa obsequiante. 
O que talvez fosse hoje interessante era espalhar pelos tribunais, talvez como poster a afixar nas paredes, espécie de lembrete perpétuo, o seguinte excerto de um Acórdão do STJ de 17.01.11 [relator Armindo Monteiro] que o blog Cum Grano Salis - em boa hora agora retomando vigor - editou, aqui:

«1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável»