Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Processo contraordenacional: simplificação, mas não tanta!


O sério problema do processo contraordenacional decorre da conjunção de vários factores: primeiro, o carácter aberto da remissão feita no Regime Geral, para o processo criminal, a qual se presta ao arbítrio se ser feita ou não funcionar consoante o propósito decisório almejado, assim se expandido ou retraindo o que é tido por ser Direito Constitucional aplicado; depois a existência daquele Regime Geral que é desmentido por particularidades dos vários regimes privativos de cada regulador, regimes específicos que são, aliás, para ajudar à confusão e com ela à incerteza, diversos entre si; enfim, o carácter dito flexível dessa espécie de procedimento, que fazia sentido quando se tratava de encontrar alternativa adjectiva às contravenções e transgressões penais mas se torna perigosa e atentatória de direitos fundamentais quando falamos de uma forma, assim dúctil, qual jurisdição graciosa, de aplicar coimas de milhões de euros.

De saudar, pois, que haja Tribunal, como o da Relação de Coimbra, que no seu Acórdão de 11 de Novembro [proferido no processo n.º 351/19.0T8MBR.C1, relatora Maria José Nogueira, texto integral aqui] barrou caminho ao que seria uma ofensa a um dos princípios basilares da conformação do objecto do objecto do processo em função da totalidade dos elementos do tipo de proibição, ao não conter a decisão administrativa a menção ao título subjectivo da imputação.

Citando do esclarecedor sumário que uma pormenorizada fundamentação desenvolve:

«I – A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do elemento subjectivo da concreta contraordenação em causa, nomeadamente em termos de saber se estamos perante uma imputação a título de dolo ou, diversamente, a título de negligência.

«II – Tal omissão, constituindo violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 58.º do RGCOC, determina, por aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ex vi do art. 41.º do primeiro dos referidos diplomas, a nulidade da decisão administrativa.

«III – Não estando descrito na decisão administrativa o elemento subjectivo, impõe-se, por falta de tipicidade, a absolvição do arguido.»

Dolus in re ipsa: inferir e assim provar indiciariamente

Como se prova o dolo, a intenção, a representação mental do crime e a adesão da vontade ao mesmo? O dolo que é ao lado da ilicitude um dos elementos essenciais dos tipos de crime em que não é só punida a negligência.Lendo este excerto demonstra-se que não é de prova que se trata mas de inferência. Cito da Relação de Évora, no seu Acórdão de 08.05.12 [relator João Latas, texto integral publicado aqui]: «Em regra, os factos de natureza psíquica, como os que respeitam ao conhecimento e vontade próprios do dolo, não são objeto de prova direta, ou seja, tal prova não é feita com base em meios de prova que versem diretamente sobre esses mesmos factos – exceção feita à confissão ou a casos excecionais de prova por ouvir dizer, legalmente admissível -, antes tem por base inferências lógicas assente em factos objetivos, maxime os relativos aos elementos objetivos do tipo, e em regras da experiência comum, não constituindo a prova indireta dos factos qualquer novidade e, menos ainda, ilegalidade.»
E depois, como se a prova indiciária não findasse o seu relevo antes do julgamento, suficiente para o Ministério Público acusar ou ainda para o Juiz de Instrução pronunciar, mas ainda tivesse lugar de expressão, relevo e valia condenatória em julgamento - onde se não exigisse prova plena apta a gerar a convicção para além de qualquer dúvida razoável mas bastasse ainda e apenas aquela prova por indícios - acrescenta, citando Cavaleiro Ferreira: «A prova indiciária tem uma suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.»

Os quase-delitos

Eram os quase-delitos, os cometidos sem dolo, com mera culpa. Numa época em que o Direito Penal parecia desproporcionado em extensão. Hoje que diríamos quando só até a severidade das coimas para as contra-ordenações parece nivelar-se ao rigor punitivo das penas para os crimes. A foto é a de uma página do livro de Direito Criminal escrito por Pascoal José Melo Freire [e não «e Freire» como tantas vezes se erra]. Escreveu em latim. Tenho um exemplar. Este está ao alcance de todos, digitalizado, no site da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aqui: Paschalis Josephi Mellii Freirii ... Institutionum juris criminalis lusitani ... liber singularis. - Olisipone : Ex Typographia Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1794.